A poesia é algo de intrigante e até misterioso. A sua existência é muito antiga e desde sempre existiu dúvidas quanto à sua própria definição. Algumas questões costumam ser pertinentes, tais como:
1.
O que é poesia?
2. Para que serve a poesia?
3. Será que
só alguns podem ou conseguem ser poetas?
Quem melhor do que os poetas para definir poesia? Talvez possam não ser as explicações exactas sobre o tema, porém, são sentimentos, desassossegos e também misteriosas afirmações sobre a escrita poética que fascina o homem.
Falei com o poeta António Ferra sobre este tema:
Quando
me sinto atrapalhado para explicar uma coisa, vou à origem da
palavra.
Neste caso, por mais voltas que dê, chego sempre ao
acto da criação — poesis.
Não
vejo a poesia, a palavra poética, como uma arte final.
Nasceu
com a música, com o ritmo, com a cadência de espadeirar o linho, de
perseguir as aves, de caminhar desbravando caminhos.
Por isso,
passados estes milhares de anos, não dissocio a criação poética
da música e do corpo.
Para mim, a poesia é dança numa
concepção muito primitiva de movimentos vocais.
A poesia é
universal, e essa universalidade não lhe vem das línguas divididas
pela implosão de uma torre de Babel.
Vem de “um mover dos
olhos” que nos leva a voar pelos céus criados na poesis.
2.
Para que serve a poesia?
Também
“é para comer”, como dizia a poeta. Mas serve ainda para
alimentar os que residem fora de nós, porque o acto poético é
sempre um eu-tu a
preencher o vazio da fome. Se a palavra não servir para me
transformar, a mim e ao outro, então não vale a pena o fingimento
poético. Ficam apenas malabaristas de circo, porque se aniquila a
liberdade criativa, o baloiçar arriscado no trapézio.
A poesia
serve para acordar a liberdade adormecida dentro de nós, serve para
deslaçar os nós que nos atam à palavra e se vai gastando com uso,
correndo o risco de deixar de significar por falta de destino. A
poesia serve como escola e escala de opções. De mudarmos pelo
auto-conhecimento, e de exibir ao outro a liberdade de mudar. Ou não.
A poesia serve sempre como exercício de liberdade na procura da
verdade. Ou daquilo que cada um pensa ser verdade ao pensar a
liberdade.
3. Será que só alguns podem ou conseguem ser poetas?
A
resposta mais simples seria dizer as vulgaridades:
todos podem
ser poetas
a inspiração é irmã do trabalho diário
lambam-se
os versos como a ursa lambe os filhos,
(como dizia Sá de
Miranda, pelo seu lado de poeta artífice)
A
resposta à questão, prende-se com a relativização das coisas e
dos object/os (ivos). Não existe um poeta, existem poetas, de maior
ou menor dimensão, julgados e avaliados por parâmetros instituídos
pelos poderes — do saber, da qualidade sociopoeticamente aceite, do
dito bom-senso, do dito bom-gosto.
Não basta um poetastro
sentar-se na esplanada e dizer que lhe dói a unha do pé porque uma
pomba diáfana lhe entornou ice-tea nas calças.
Ou outro, que
esgravata o absoluto, o sentido da vida, o silêncio de deus.
Por
outras palavras mais comezinhas:
há
para aí gente que não nasceu para a coisa
e outros que sim,
nasceram poetas inspirados, mas às vezes falta-lhes
trabalhinho
de sapa, garimpa de sílabas,
outros trabalham de sol a sol, mas
falta-lhes a centelha.