quarta-feira, 1 de março de 2023

O Jorge Sequerra

 Faz hoje sete anos que o actor Jorge Sequerra nos deixou.

Conheci-o numa leitura de passagens de Consolação às Tribulações de Israel, de Samuel Usque, espécie de cronista do XVI. Lia ele então numa palestra, ou lançamento de livro, não me recordo, de Jorge Martins, um dos grandes investigadores da perseguição aos judeus em Portugal. Achei-o bastante expressivo, e envolvido, interiorizando a problemática judaica, afinal também as suas próprias raízes.
Mais tarde, e por indicação do meu amigo Jorge Martins, conheci-o no teatro "A Barraca" e pedi-lhe para ler um pouco do meu livro «Marias Pardas». Logo se prontificou a fazê-lo com a generosidade de quem anda ao mesmo.
Foi uma surpresa enorme quando me confrontei com o seu talento de homem de palco, com uma enorme sabedoria sobre os conteúdos que interpreta. Uma experiência marcante para mim, pela genialidade afectuosa da palavra do Sequerra, pela sensibiladde de encarnar uma personagem.
Leu um longo texto incluído no meu «Marias Pardas», no respectivo lançamento do livro publicado pela &etc em 2011.
Interiorizou e exprimiu os sentimentos de um homem que se dirigia à Marlene, uma das marias pardas deste livro, de prosa poética, digamos, com uma componente dramática, como é meu costume. Uma personagem com falas duras de homem perdido por uma vagabunda da noite, como ele, personagem sem nome referido.
O Jorge era um entertainer, queria comunicar a fantasia, tanto das personagens em questão, como levar o público aos mundos circenses que criava em pequenos palcos. Lembro-me de uma sessão no Braço de Prata em que nos entretinha com as palavras mais simples, improvisando, com pequenos truques de ilusionismo e fazendo participar o público com quem interagia.
No pouco, mas muito significativo contacto que tive com ele, aprendi muito, não sei explicar exactamente, nem como nem o quê. Lembro-me que na leitura de «Marias Pardas», praticamente sem preparação - ele dizia-me que ia descobrindo o texto enquanto o lia - pôs um boné na cabeça, e com um boné criou uma personagem, o boné concentrou uma encenação e uma máscara.
Tenho muitas saudades dele. Imaginei projectos para nós.
Faz sete anos que morreu, levando consigo a delicadeza, a ternura, o seu olhar de uma subtil tristeza que tantas vezes ofereceu a alegria.


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